Com a proximidade da primavera, o canto das cigarras toma a cidade. Esta época marca o período de acasalamento desses insetos. O som alto e repetitivo que reverbera entre os pilotis do Plano Piloto é a forma que os machos da espécie usam para atrair as fêmeas. Entre os brasilienses, a opinião é dividida, há quem se encante e quem se irrite.

O período de reprodução das cigarras ocorre na fase mais quente e úmida do ano, da primavera ao verão. “Em Brasília, nas áreas urbanas, existem de sete a dez espécies de cigarras. Cada uma vai ter o seu modo de vida e seu canto diferenciado. Elas aparecem neste período, porque, durante a evolução desses organismos, as cigarras se adaptaram para saírem do solo e viverem como adultos no início da estação chuvosa“, explica Paulo César Motta, zoólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Ninfas

Apesar de a fase adulta durar entre dois e três meses, após isso, as cigarras morrem. O inseto na etapa em que fica estritamente no subsolo, quando é chamado de ninfa, é bem longevo para um artrópode. “Não sabemos, ao certo, quanto tempo elas vivem debaixo da terra, mas estima-se de 3 a 7 anos. Nos Estados Unidos, algumas espécies podem existir nessa condição até 17 anos”, detalha Motta.

Sob a terra, as ninfas se alimentam principalmente da seiva de raízes (floema e xilema). Depois de amadurecerem, elas saem do solo, sobem no tronco das árvores e criam um casulo para desenvolver asas, passando pela metamorfose. É essa casquinha (exúvia) que vemos nas árvores espalhadas pela cidade. Alguns minutos depois, o macho está pronto para começar a cantoria.

Esfregar das asas

O som emitido pelas cigarras é produzido ao esfregar das asas em um par de estruturas abdominais chamadas timbales, e elas conseguem controlar e amplificar a cantoria. Nesse show, algumas espécies atingem até 120 decibéis. O equivalente ao barulho de uma motosserra ou um trovão.

A reação do público à cantoria é variada. Para a professora Gianna Xavier, 64 anos, a sinfonia é uma manifestação que impressiona e ensina sobre o funcionamento da natureza. Em Brasília há 25 anos, ela ficou impressionada ao descobrir dessas cantoras. “Uma das primeiras vezes que ouvi esse barulho e vi uma cigarra grande das que tem por aqui foi quando eu esperava meu ônibus na W3, eu nem sabia que tinha” revela a moradora da Asa Norte. Apesar de o barulho atrapalhar no momento das aulas, a professora particular de idiomas, se alegra com esta época. “Quando elas começam a cantar é porque anunciam a chuva e que esse calor e essa seca vão passar. Às vezes incomoda, mas é bom”, brinca.

Rotina barulhenta

Há quem goste, há quem odeie, mas é inegável que a sinfonia constante se torna parte do ambiente. “Não me incomoda muito, acho até gostoso, me dá uma sensação de tranquilidade por estar em contato com a natureza”, conta a Bruna Morena, 28, moradora do Lago Norte. Nascida e criada em Brasília, é até inimaginável para Bruna passar algum ano sem a presença delas que, mesmo não gostando da aparência, admira como soam.

José dos Reis, 36 anos, trabalha com reforma de elevadores na Asa Norte e está acostumado com as cantoras. Vindo do interior do piauí, o barulho característico da estação não é novidade. “As cigarras só param de cantar quando morrem, elas cantam até morrer. Não tem como evitar, é coisa da natureza. Eu não me importo muito, você se adapta àquele barulho”, garante.

Dividir a atenção do dia a dia com a música das cigarras pode ser estressante quando é preciso trabalhar ouvindo a cantoria. Giselle Rayane, 23, era vendedora em uma loja na Asa Norte e tentava ignorar e focar a mente. “Às vezes, a gente quer um pouco de silêncio quando está fazendo alguma tarefa e é complicado se concentrar com o barulho. Quando estou atendendo algum cliente ou lidando com alguma demanda da loja, preciso ter paciência. É um barulho muito chato o dia todo, eu realmente não gosto”, desabafa.

*Estagiários sob a supervisão de Guilherme Marinho