Mariana Fernandes, Karoline Bandeira* e Lorena Pacheco – Mais um 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, chegou. Em 2021, infelizmente, mulheres ainda são alvo de injustiças e violência devido ao machismo que compõe a nossa sociedade. No mercado de trabalho não é diferente. Abaixo, o Papo de Concurseiro abre espaço para a história de algumas delas, que sofreram diversas dificuldades apenas pelo fato de serem mulheres, mas que hoje são exemplo e inspiração.
“Sou a única plantonista mulher na minha delegacia”
Luana Davico, de 31 anos e moradora de Águas Claras-DF, começou a estudar para concursos em 2014, depois de muita insatisfação com a incentiva privada. Após cerca de um ano de estudos, ela conseguiu a aprovação para o cargo de delegada da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), e hoje é também coordenadora e professora da carreira de polícia do Gran Cursos Online.
“Você não combina com o cargo de polícia”, “eu acho você muito feminina e muito delicada” , “eu acho que você vai chorar no primeiro momento, você é muito emotiva”. Essas foram algumas das frases que Luana ouviu durante toda a trajetória até a aprovação. “Em alguns momentos eu duvidei de mim a partir dessas opiniões. Mas, não existe nada mais motivador do que alguém te dizer que você não pode fazer algo.”
A vontade de ser aprovada era para crescer como pessoa e poder conquistar mais coisas. “Eu sempre quis ir além. Queria fazer a diferença, poder incentivar as pessoas, escolher e dar coisas para os meus pais. Eu queria não ter que escolher quanto de gasolina abastecer e nem esperar as promoções de final de ano para comprar coisas melhores. E eu sabia que só o estudo me proporcionaria essa mudança de vida.”
Porém, já de início, Luana viu que não seria tarefa fácil. “Reprovei em tudo que eu já tinha feito antes, até para tirar CNH, eu reprovei na OAB, e para concurso público eu já era vacinada em reprovações. Tudo que eu esperava era reprovar novamente.” Mas, mesmo sem ter uma base de preparação para concursos, sem condições de fazer aulas de cursinho ou comprar materiais, ela não desistiu. “Na época eu ainda morava no interior de Goiás e nem internet boa eu tinha em casa. Quando eu precisava pesquisar algo, eu usava o intervalo do meu trabalho, para pesquisar. Era muito difícil”.
Porém, ela não estava sozinha nessa jornada e, até a aprovação, contou com a ajuda de outras mulheres. Como sua chefe à época, que comprava passagens para ela se deslocar para fazer provas e muitas vezes pagava até mesmo as inscrições das seleções. Outras amigas também a ajudaram a obter materiais de estudo e passagens.
“O início da minha trajetória foi simplesmente insistência e persistência. Base e recurso eu não tinha. E eu sabia que a única coisa que eu precisava ter era disciplina. E, assim eu fiz.
A partir dessa decisão, ela montou um cronograma de estudos por conta própria. “Podia fazer chuva, sol, ser natal ou reveillon, eu cumpriria o que estava ali.” Sua técnica era simplesmente focar em tudo que estivesse dentro do edital e se preparar de acordo com a data da prova. “Eu errei muito nesse caminho. Tive que me desligar de várias amizades, de vários tipos de lazer. Eu abri mão de tudo.”
O esforço foi finalmente recompensado em 2015 e, hoje, como delegada, Luana frisa que a preparação é justamente isso: renúncia. “Eu nunca vi alguém se preparar e ter êxito sem renunciar. Nunca vi alguém dizer que a época de preparação foi boa demais. Não há romantização. E desde sempre eu aceitei passar por tudo isso, se como recompensa, eu tivesse o meu sonho realizado”.
“Hoje eu sou delegada de polícia com orgulho. Me lembro que durante o curso de formação eu tinha apenas R$ 6 reais para almoçar. As pessoas achavam que eu comia pouco. Mas, na verdade era o que eu podia gastar pra comer. E, agora, eu posso ir ao supermercado e comprar o que eu quiser. Mas acima de tudo, a mudança interna é a maior”, diz orgulhosa.
Luana relata que embora o ambiente policial seja muito masculino, a diferença se faz com a imposição e respeito. “Eu quebro paradigmas todos os dias. Sou a única plantonista mulher dentro da minha delegacia. A gente vem ocupando cada vez mais espaço. Ainda não há igualdade, mas estamos caminhando para isso”, diz.
A delegada lamenta também que o preconceito contra a figura feminina está em todos os cantos. “O que vai fazer a diferença é a nossa postura diante desse comportamento. Eu uso meu espaço pra dizer a todas as mulheres que elas podem estar aonde elas quiserem. Inclusive, na polícia. Na polícia só não tem espaço para a covardia”, aconselha.
“Hoje eu sou totalmente realizada com meu cargo. Sou tudo que eu sempre sonhei exatamente por ser delegada. E, meu conselho para todas as mulheres que querem trilhar seus próprios caminhos é que não existe exatamente nada que o outro faça que você não consiga fazer. A força de vontade está dentro de você. Viva o seu processo, não compare com o dos outros, e você vai chegar aonde você quer estar.”
“Trabalho com uma equipe de mulheres fortes”
Ane Gotlib, de 32 anos, é servidora e assessora de comunicação de um órgão público de Segurança. Decidiu estudar para concurso porque tinha o sonho de trabalhar na área de formação, Comunicação Social –Jornalismo, e não conseguia emprego em nenhuma empresa privada. “Tentei trabalhar em empresas de comunicação como jornais, assessorias e nunca passava das entrevistas, o que me causava bastante sofrimento. Eu trabalhava como gerente em um grande banco nacional, mas era insatisfeitíssima com o meu trabalho”, conta.
A última tentativa de trabalhar em uma empresa de comunicação foi quando saiu de uma entrevista de emprego em uma agência e disseram a ela que o salário era R$ 1000 por mês. “Depois de quase cinco anos de formada, com pós -graduação na área, decidi, naquele momento, que estudaria para concurso. Foi o meio que achei para realizar o meu sonho que era ser assessora de comunicação”.
Para Ane, o mais difícil foi conciliar o trabalho de oito horas diárias com cursinho, revisão de material e resolução de exercícios e a vida particular. “Meus horários eram muito regrados, não desperdiçava nem 15 minutos do horário de almoço para ler algo. Nos finais de semana eu estudava tudo que tinha aprendido durante a semana. Ainda tentava praticar atividade física e comer bem para cuidar da minha saúde. Para minha surpresa, foram oito meses estudando e passei no concurso que estou empossada hoje.”
Nesta trajetória, ela privou relações sociais e foi muito questionada, mas tinha na cabeça que quanto mais se dedicasse, mais rápido passaria no tão almejado concurso. “Não importei para todos que julgavam a minha dedicação como exagero”, disse.
A aprovação não veio num concurso específico para a área de comunicação, mas, ao tomar posse, por conta do currículo, foi remanejada para o setor de comunicação e hoje trabalha fazendo o que ama. “É o que sempre sonhei. Consigo aplicar meus conhecimentos técnicos e posso dizer que estou muito satisfeita com meu trabalho.”
O órgão de Segurança em que trabalha é, segundo a servidora, um órgão predominantemente masculino. “Mas, trabalho com uma equipe de mulheres fortes, determinadas e criativas”. Como conselho para outras mulheres que estão em busca da aprovação em concursos, ela afirma: o importante é não perder o foco, é tentar!
“Estudar para concurso é se esforçar no tempo que dá! As pessoas costumam dizer que tem que ter tempo para estudar. Vejo que muitas mulheres, principalmente, as que têm filhos, trabalham dentro e fora de casa e querem estudar. E, deixam de se dedicar a um sonho na carreira pública por acreditarem nesse discurso do tempo quantitativo. Porém, 15 minutos é tempo, 10 minutos também. O tempo de qualidade conta muito mais,” enfatiza.
Conselho de mulher
A história de superação de Dayane Xavier, de 36 anos, que atualmente é assistente social na Diretoria Especializada para famílias e indivíduos da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), começou muito cedo.
Filha de pais agricultores, ela sempre recebeu deles muito incentivo para o estudo. E, por isso, aos seis anos de idade ela se mudou do interior de Minas Gerais, de um município da zona rural chamado Guarda-mor, para a casa da avó, em Paracatu. O motivo? Ficar mais perto da escola, já que na cidade natal, a unidade mais próxima ficava a 5km, e o meio de locomoção era apenas um cavalo.
O contato com Brasília-DF veio em momentos de férias. Ela tinha familiares na região e sempre que podia, visitava a cidade, pela qual era deslumbrada. “Brasília pra mim era uma revolução, cidade grande, cheia de prédios. Estudar nessa cidade passou a ser meu objetivo.”
Seguiu na casa da avó até os 18 anos, quando, após uma reprovação no vestibular da UnB, foi passar as “férias” na roça dos pais e ajudar com a lida. E, foi diante da frustração que recebeu de uma mulher muito importante, sua avó, o conselho que modificou sua vida.
“Ela disse: ou você volta pra Brasília e estuda muito pra passar no próximo vestibular e seguir seus estudos ou vai catar muito milho no sol pra encher sempre o paiol,” lembra emotiva. “Nunca esqueci aquela lição. Voltei para Brasília poucos dias depois, estudei com ainda mais afinco e acabei passando em dois vestibulares federais: UnB e UFU”.
Foi quando começou a fazer provas de concurso público como um treino, já almejando uma futura aprovação. “Passar num concurso sempre foi minha meta”, diz. E, em 2008 veio um momento decisivo. “Eu estava me formando, tinha que deixar a Casa do Estudante da UnB por conta disso. Não havia passado em um concurso ainda. E, precisava de um emprego para me manter”. Ela então entregou o trabalho de conclusão do curso com antecedência, para dar tempo de estudar para o concurso da Sedes. “Foi aí que eu passei 15 dias estudando com afinco. Tive êxito no concurso e ainda consegui entregar minha monografia na UnB”.
Após essa primeira aprovação na Sedes, órgão que atua até hoje, também passou em outros concursos, como no TJMG, em primeiro lugar, e na Assembléia Legislativa de Goiás.
Em 2019 começou uma nova trajetória: a de ser professora de preparação de concursos públicos. Agora, além de servidora, ela é também professora do IMP Concursos, onde ministra disciplinas de legislações específicas. “É uma honra muito grande hoje poder contribuir com o sonho de outras alunas. Poder falar sobre isso, sobre a minha história, no Dia Internacional da Mulher é uma grande honra. Eu sempre peço que acreditem nos seus sonhos. Acreditem sempre.”
“Temos que ter em mente a nossa força e capacidade como mulher”
Deborah Loiola, 30, decidiu prestar concurso porque se desgastou bastante na área privada. Advogada, ela acreditava que o funcionalismo público traria maior qualidade de vida e realização pessoal e profissional. “Sempre fui admiradora do serviço policial militar por ser um trabalho dinâmico, de grande impacto social e que ainda englobava a minha formação, fatores preponderantes na minha decisão.”
Ao optar pela carreira, Deborah tomou uma decisão arriscada. Teria apenas uma chance de passar no certame, já que tinha 28 anos quando o edital para praça da PMDF foi lançado e estava perto da idade limite exigida, que é de 30 anos. Além disso, como esposa de um aprovado para a PM de Goiás, Deborah precisou mudar de Brasília para acompanhar e dar apoio ao marido. Mesmo amparada por ela, ela se viu em um lugar desconhecido, sem amigos e familiares.
“Era a única chance que eu tinha para passar. Juntei dinheiro e pedi demissão do emprego para me dedicar exclusivamente ao meu sonho e consequentemente a mim. Porém, não possuía condicionamento físico necessário para realizar o teste físico, o que me levou a intensos treinos, sozinha, porque financeiramente tudo estava milimetricamente contado.”
Hoje no curso de formação da corporação, ela afirma que “enquanto militar não existe diferenciação de sexo, porém nossas diferenças biológicas são sim, levadas em consideração preponderando sempre o respeito entre todos de modo que me sinto uma mulher militar plenamente forte e capaz para exercer com excelência o meu papel dentro da instituição.”
Para todas as mulheres que ainda não alcançaram seus sonhos, a militar tem um recado de esperança:
“Não desistam! Sejam ousadas e audaciosas tanto para sonhar quanto para lutar pelos seus objetivos. Os percalços virão e muitas vezes sentiremos que o tempo certo passou, que os nossos papéis sociais (esposa, mãe, amiga, filha…) estão sendo negligenciados ou que fisicamente e psicologicamente não seremos capazes. A sociedade nos diz a todo instante que somos frágeis. Porém sempre temos que ter em mente a nossa força e capacidade como mulher de persistir, ousar e enfrentar os desafios.”
“Minha filha deixava bilhetes embaixo da porta para me estimular”
Aos 41 anos, a analista judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) confessa que não foi fácil chegar aonde está agora. Formada em psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB), Katia tinha que cuidar sozinha da filha pequena quando decidiu estudar para concurso. “Eu sou mãe solo. Fui mãe aos 21 anos e conciliar estudos, maternidade, o papel de provedora e a cobrança da sociedade de que deveria me dedicar 100% a minha filha foi muito difícil”, relembra. A condição financeira também dificultava, mas isso não a desanimou: “Era difícil conseguir bons materiais e o cursinho era quase impossível. Mas sempre encontrei apoio em amigos que me emprestavam materiais e me ajudavam com dicas que aprendiam em cursinho.”
A psicóloga conta que sempre viu vantagens no serviço público. “Sempre quis ser servidora e desde os oito anos de idade queria ser psicóloga. Eu sempre achei que o concurso seria a oportunidade para conseguir acesso ao mercado de trabalho de forma mais justa, e que ser servidora me protegeria de preconceitos e diferenciações injustas. Apesar de ouvir de todas as pessoas que conseguir um cargo público na minha área de atuação era quase impossível, eu entendi que não era e estudei muito.”
Antes mesmo de se formar, ela já havia participado de algumas seleções para cargos gerais. A nomeação, entretanto, não veio na primeira, nem na segunda tentativa. “Tiveram muitas reprovações. Eu passei no primeiro concurso com 20 anos, mas era para agente administrativo. Depois, no final da faculdade, com filha pequena, comecei a estudar para a área de psicologia. Passei em três concursos e reprovei em outros. Em alguns, passei bem, mas eram poucas vagas,” recorda. A fase foi marcante: “Tinha dias em que eu chorava em cima dos livros, de culpa, de medo, de tristeza… mas continuava.”
Já trabalhando como psicóloga em uma empresa pública, Katia continuou a se dedicar até conquistar a esperada nomeação. Até que, em 2009, o sonho se concretizou. “Em 2009, fui chamada no TJDFT. Estudava somente três horas por dia, já que trabalhava 8 horas, além de passar duas horas no metrô para ir e vir do trabalho. Chegava exausta e ia estudar, mas deu certo.”
Porém, mesmo dentro do funcionalismo público, a profissional admite que já passou por situações de machismo dentro do ambiente de trabalho:
“No atual local, somos na maioria mulheres e o ambiente é de muito apoio, pois tratamos de qualidade de vida e tenho gestoras mulheres muito conscientes da nossa luta. Mas, no passado, em outro órgão do governo, criei um projeto gigantesco e muito bem estruturado, quando fui apresentar o gestor geral ficava perguntando para um colega como era o projeto, invalidando a minha presença na reunião. Eu tive que calmamente dizer que o colega não podia explicar o projeto, pois não sabia quase nada a respeito, que a criação era minha e pedi para que me ouvissem. Ao final, ouvi de um líder: ‘Que interessante uma mulher jovem com ideias tão masculinas, arrojadas, modernas’. Fiquei arrasada.”
Hoje, com mais de 20 anos de carreira, a analista judiciária alega não se arrepender da jornada e do esforço: “Valeu muito a pena. O serviço público me ensinou muito sobre prática de gestão de pessoas e financiou muitas capacitações e experiências.” O ambiente de trabalho, composto majoritariamente por mulheres, faz Katia Lima se sentir em casa: “Eu me sinto super confortável. São mulheres conscientes, inclusivas, o tempo todo pensando em mudanças. Super focadas no trabalho. Eu sou a única mulher negra e ainda assim vejo o interesse em estudar e saber sobre tudo. Considero um ambiente acolhedor e de parceria.”
“Eu pedi demissão e disse que voltaria como policial”
Policial rodoviária federal há mais de 15 anos, Pamela (sobrenome), de 37 anos, assume que nunca tinha pensado em fazer concurso. Foi durante o seu trabalho como secretária terceirizada na PRF que tudo mudou:
“Passei por assédio moral do meu chefe imediato e, no dia que saiu o edital do meu concurso, tivemos uma discussão. Eu pedi demissão e disse que voltaria como policial”
Durante os estudos, ela conta que tinha dificuldade para pagar cursos preparatórios e faltava dinheiro para passagem e comida. “Tive a sorte de ter amigos que me davam carona e paguei o curso com o dinheiro da rescisão.”
Pamela conta que já se sentiu diminuída no ambiente de trabalho por ser mulher, mas não se deixou intimidar: “Já sofri sim, principalmente porque é um ambiente predominantemente masculino. Tive, por muitos anos, de me esforçar muito mais que os homens para provar que podia exercer com maestria a função. Hoje em dia as dificuldades são mais leves.”
Pamela acredita que o gênero não deve ser um fator importante para quem tem o sonho de ser policial: “Acho que o importante não é o gênero, mas a disposição de fazer o trabalho com dedicação e vontade de mudar a realidade social.” E ressalta que a presença feminina na PRF é essencial: “A necessidade de ter mulher se dá principalmente quando precisamos lidar com crianças ou outras mulheres em abordagens e missões.”
“O serviço público é, sim, ‘coisa de mulher’”
A técnica administrativa em educação Ana Glécia Gomes, de 39 anos, aponta a importância de conquistar esses ambientes: “A mulher deve ocupar qualquer espaço que ela queira, independente de ser predominantemente e historicamente um espaço preenchido por homens ou não. Já foi comprovado que as mulheres são capazes de realizar tanto ou mais tarefas que os homens. É sobre ser independente, sobre contribuir em todos os espaços possíveis. Essa independência é algo que precisa ser respeitado e incentivado.”
A profissional conta que viu no concurso público “uma chance de ter estabilidade e com isso poder investir em outros projetos”. São cinco anos atuando na Universidade Federal de Goiás (UFG). Sem auxílio de cursinhos, a mulher expõe que o cargo é resultado de muito estudo autônomo.
“É muito importante que mulheres ocupem todos os espaços”
Natália Pires, de 34 anos, atua como docente no curso de produção de áudio e vídeo no Instituto Federal de Brasília (IFB). Além de professora, é artista e sempre se dedicou à arte e produção cultural. Após trabalhar por 12 anos como profissional autônoma, a profissional decidiu prestar concurso do IFB para a sua área. A preparação, com auxílio de cursinho, não foi como esperava:
“Nesse cursinho eu encontrei muitas dificuldades por ser mulher. Havia um professor que o tempo todo proferia discursos misóginos e machistas, e eu sempre entrava em embates com ele, até o ponto que precisei fazer uma reclamação formal. Eu quase desisti do curso por causa desse professor. Sempre que ele entrava eu já sabia que seria uma aula exaustiva pois ele era extremamente desrespeitoso com as questões de gênero, e isso traz muito cansaço mental e emocional para nós mulheres.”
Na sala de aula, a professora sente que sua capacidade intelectual muitas vezes é descredibilizada devido ao seu gênero. “Nas aulas noturnas, a presença das mulheres é pequena devido à questões de segurança e mobilidade. Quase sempre os estudantes são homens que já trabalham na área de operação de áudio, e acontece muito de o conhecimento das professoras mulheres ser colocado em questão. Muitos alunos duvidam que você realmente saiba aquilo que está ensinando e criam situações muito desconfortáveis.”
Segundo Natália, a desconsideração não parte apenas dos alunos: “Eu sou cantora e conheço a parte técnica do áudio, então sempre dou indicações técnicas sobre a equalização de voz e sobre os equipamentos, mas muitas vezes existe um embate com o técnico de som (que na maior parte das vezes é uma figura masculina) que acha que você não entende dessa parte e deve ficar no seu lugar e desempenhar apenas seu papel de cantora.” Quebrar estes pensamentos é um dos objetivos da professora dentro do Instituto. “Tenho como uma das minhas missões dentro do IFB formar mulheres para atuação nessa área técnica, permitir que tenham a chance de experimentar, de aprender a manusear os equipamentos, e mostrar que essa área é sim o lugar delas!”
Para ela, no decorrer dos anos, os avanços na questão de gênero foram grandes, mas ainda estão longe do ideal. “É muito importante que mulheres ocupem todos os espaços, especialmente os que nos foram negados por tanto tempo. Somos mais da metade da população e não faz sentido que não haja paridade na ocupação dos espaços. A falta dela é uma consequência de uma sociedade misógina”, expressa a docente. “Quanto ao serviço público, é muito importante que existam mulheres, especialmente as atentas às desigualdades de gênero, porque as instituições ainda não percebem o quanto seus regimentos e sua forma de operar reproduzem o machismo estrutural que existe na nossa sociedade. Ter mulheres em cargos efetivos e estáveis nos permite sim colocar a boca no trombone, denunciar essa estrutura que não nos serve mais e fazer a mudança que queremos em busca de equidade e respeito.”
Menos emprego e menor salário
Divulgado na última quarta-feira (4/3), um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 54,5% das mulheres com mais de 15 anos estavam inseridas no mercado de trabalho em 2019, enquanto que para os homens esse percentual foi de 73,7%. A presença de crianças com até três anos na casa de mulheres de 25 a 49 anos influencia os resultados: 54,6% mulheres desta faixa etária que têm filhos não trabalham. Já para o sexo masculino, é o contrário: 89,2% dos homens que têm filhos possuem emprego. Ainda segundo o IBGE, apesar de serem maioria com ensino superior em relação ao sexo masculino, as mulheres ganham salários menores e têm dificuldade de alcançar o topo da carreira — representado, predominantemente, por homens. Saiba mais sobre a pesquisa aqui.
*Estagiária sob supervisão de Lorena Pacheco