Com base em pesquisas e no conhecimento acumulado, a medicina possui protocolos de prevenção, de rastreamento, de diagnóstico precoce e de tratamentos para cada doença já identificada.

Não é incomum, por exemplo, que novas pesquisas e descobertas científicas apontem a necessidade de mudanças nessas práticas, tal como ocorre hoje com o câncer colorretal: a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos (USPSTF) também passou a recomendar que a triagem comece desse tumor aos 45 anos, em vez de 50, como é realizado em inúmeros países, inclusive o Brasil.

A nova orientação deste órgão norte-americano ocorre após evidências demonstrarem o aumento do câncer colorretal entre os adultos mais jovens e diante da pressão para reduzir a idade inicial com foco em diagnóstico mais precoce da doença e das lesões. Desde 2018, a Sociedade Americana do Câncer já indicava o rastreamento a partir dos 45 anos.
O câncer de intestino é o terceiro em incidência no mundo e o segundo que mais mata. Para o Brasil, estimam-se, para cada ano do triênio de 2020-2022, 20.540 casos de câncer de cólon reto em homens e 20.470 em mulheres, o que corresponde a um risco estimado de 19,64 casos novos a cada 100 mil homens e 19,03 para cada 100 mil mulheres.
As mudanças de protocolos de saúde nos EUA, muitas vezes, servem de referência para outros países. E semelhante ao que ocorreu lá, aqui também há tendência de crescimento de incidência desse tipo de tumor entre adultos jovens, antes dos 50 anos, resultado do aumento de práticas alimentares menos saudáveis: o maior consumo de dietas ricas em produtos industrializados, em conservantes, em carnes vermelhas, o etilismo, o tabagismo, além do sedentarismo, da obesidade e de outros fatores ambientais são as causas de até 85% dos casos, enquanto a predisposição hereditária chega a 15%.
Em relação a este último, fazer o correto diagnóstico das síndromes de predisposição ao câncer colorretal se justifica pela ampliação das ferramentas de prevenção personalizada.

A síndrome de câncer colorretal hereditário se subdivide em polipose, que compreende a polipose adenomatosa familiar (PAF), a polipose familiar juvenil e a síndrome de Peutz-Jegher; e não poliposa, representado pelo câncer colorretal hereditário não polipóide (HNPCC) ou síndrome de Lynch.

Essas doenças hoje são detectadas com eficácia através da análise genética do DNA de células da saliva ou sangue. Uma vez identificada a mutação ou mutações predisponentes, um aconselhamento especializado é oferecido, sendo que o rastreamento deve iniciar a partir dos 40 anos (ou 5 anos antes da idade de diagnóstico do familiar com doença mais jovem) através de colonoscopia. Outras condutas preventivas como colonoscopias anuais, o uso de medicamentos preventivos como a aspirina e até a remoção preventiva do intestino grosso podem ser analisadas.
Os exames de rastreamento devem ser indicados de forma personalizada dependendo dos fatores de risco individuais, especialmente o histórico familiar ou antecedente pessoal de câncer do intestino, ovário, endométrio, mama, tireoide ou portadoras de Síndrome de Lynch.

Já as pessoas com antecedente de doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa ou doença de Crohn) devem iniciar o rastreamento ao completar entre 7 e 10 anos de tratamento da doença.
Por sua vez, os portadores da doença genética polipose adenomatosa familiar (PAF) apresentam pólipos múltiplos intestinais e câncer de colorretal em idade muito jovem, por vezes ainda na puberdade/adolescência. Um especialista vai determinar a melhor idade para se iniciar o rastreamento e também poderá indicar a cirurgia de remoção preventiva do intestino grosso.
Para ambos os grupos, de baixo risco ou risco aumentado, o exame toque retal realizado pelo médico deve fazer parte do exame clínico geral, pois avalia a borda anal, todo o reto e a próstata (em homens), devendo ser utilizado tanto em homens quanto em mulheres.
O câncer colorretal é um dos tumores mais tratáveis quando diagnosticado de forma precoce. Com o rastreamento feito a partir da idade correta para cada grupo de risco é possível identificar lesões precursoras de câncer de intestino (os chamados pólipos colônicos) e removê-las mesmo antes de se transformarem em um tumor maligno. Isso é feito por via endoscópica, durante a realização da colonoscopia (através de um aparelho que se chama colonoscópio, que percorre todo o intestino grosso internamente através do ânus), sem a necessidade da remoção cirúrgica de parte do intestino, como usualmente ocorre quando o câncer já se encontra instalado.
No câncer já instalado, mas detectado na sua fase precoce, a porcentagem de cura é elevada (acima de 70% e 90%) com o tratamento cirúrgico, complementado ou não pela quimioterapia, desde que a doença não tenha se disseminado para outros órgãos. Até mesmo para os pacientes com câncer avançado, conhecer as características genéticas tumorais possibilitará a indicação de terapias mais assertivas e eficazes.
 *André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.