O câncer de pulmão foi tema do CB.Saúde — parceria entre Correio e TV Brasília — desta quarta-feira (1º/2). À jornalista Carmen Souza, o diretor geral do Hospital Brasília — Unidade Águas Claras, Julio Mott, comentou sobre o programa de diagnóstico precoce da doença que está sendo implementado. O médico também falou sobre os desafios no tratamento dos pacientes e as possíveis ações a serem tomadas para que o Brasil alcance a meta de reduzir em 40% o número de tabagistas até 2030.
O Hospital Brasília começa um programa de diagnóstico precoce. Como funciona?
Da década de 1950 até 1990, os médicos pensaram que o raio X era suficiente para fazer esse rastreamento de doenças do pulmão. Os dados mostram que não é suficiente. Há esse estudo, que foi fundamental no acompanhamento dos pacientes tabagistas, chamado National Lung Screening Trial. Ele acompanhou 100 mil pacientes e identificou que, em fortes tabagistas que realizam tomografias seriadas e com identificação precoce desses nódulos potencialmente malignos no pulmão, houve uma diminuição de 20% na mortalidade. É a isso que o programa de rastreamento se propõe.
A quem o exame de tomografia é indicado?
Esse primeiro grande estudo indicou que pacientes tabagistas de longa data, até 30 anos (ativos ou não) poderiam ser elegíveis para o programa. O resultado é tão bom que os estudos mais recentes diminuíram um pouco o tempo de uso do tabaco como critério. Hoje, ficamos tranquilos em indicar o programa para quem fuma ou fumou por mais de 15 anos, dos 50 anos até os 75. Lógico que se, por exemplo, um paciente teve um derrame, tem sobrevida e locomoção muito precárias, não vamos indicar, porque, eventualmente, ele vai precisar ser operado. O tratamento definitivo do câncer de pulmão é a cirurgia. Por isso, deve haver critérios para entrada no programa.
Com relação à acessibilidade para quem precisa se submeter a exames com regularidade, é possível falar em valores?
O valor médio de uma tomografia de baixa dosagem fica em torno de R$ 250. (…) Pode-se pensar que é caro, mas um tabagista gasta isso por mês em cartelas de cigarro. Então, estamos trocando um maço de cigarro por um exame que pode salvar uma vida. Existe um custo efetividade do tratamento. Como ele permite o diagnóstico precoce, quando falamos do ponto de vista de saúde pública, é muito mais barato fazer a tomografia do que pagar uma quimioterapia ou uma imunoterapia que sai a R$ 100 mil ou R$ 200 mil para os cofres públicos. Então, os programas de rastreamento permitem uma sustentabilidade do sistema de saúde de uma forma geral.
Que intervenções são necessárias para que o Brasil atinja a meta de reduzir o número de fumantes em 40% até 2030?
A primeira que podemos citar é essa que estamos tendo. Falar de forma clara a respeito de uma doença assustadora. Muitas vezes o tabagista fica preocupado quando vê algo nesse sentido. Todos esses movimentos do governo, da sociedade e dos médicos, divulgando a importância de se cessar o tabagismo, vêm realmente surtindo efeito. Tem algumas questões importantes em relação ao tratamento clínico da cessação do tabagismo. Alguns pacientes têm uma dependência química severa do tabaco. Nesses casos, medicamos.
Os pacientes geralmente já chegam com a doença mais avançada, qual o impacto disso na sobrevida dessas pessoas?
Nos Estados Unidos e na Europa, o acesso ao programa de rastreamento é amplamente divulgado. Imagine que, aqui em Brasília, nós somos o primeiro hospital que vai oferecer um programa estruturado de rastreamento de câncer de pulmão. Estamos, definitivamente, 20 anos atrasados. Então, se buscamos tornar o diagnóstico precoce, esse tipo de informação tem que estar disponível para a população. Quem fuma tem que ficar sabendo disso na ponta da língua. Não é isso que acontece — 80% dos tumores de pulmão se apresentam no consultório como estágios quatro, que é o mais avançado e cujo tratamento é quimioterapia ou, às vezes, radioterapia, e a sobrevida é de alguns meses, no máximo.